Pessoas Más
Diz o cliché que não há bem sem mal. Que sem escuridão não existe luz.
É-me, portanto, natural um agradecimento aos negativos. Como numa polaroid. Do nada, do escuro vem a imagem.
Ora, voltemos então aos maus da fita. Porque os há. Porque ou nasceram assim ou porque ficaram assim. São más, essas pessoas, independentemente da origem da maldade. Mas diferem entre si.
O meu tipo favorito de pessoas más são aquelas cujo simples presença torna-as intragáveis. Cujo convívio é insuportável. Essas pessoas nunca souberam ser boas e, como tal, têm a consciência disso. Não escondem que são más nem fingem que são boas. São más e pronto.
Com esses ainda consigo ir jantar.
Do outro lado da coisa, estão os falsos. Os que escondem a falta de carácter, os que disfarçam a mesquinhez, os que parecem bons. Estes prendem-se na ilusão de amizade que passam aos outros. E esperam. Esperam pela melhor oportunidade para mostrar toda a sua podridão. Mas quando mostram - oh, se mostram - é de forma espantosa. É o equivalente a uma barragem cheia a desmoronar-se, engolindo vales e aldeias.
Enquanto o primeiro tipo de pessoas más ainda consegue ter perdão, às segundas é-me impossível tal acto de caridade.
Contudo, ainda bem que existem pessoas más. Proponho até um dia reservado a elogiar e festejar estas pessoas: dia nacional da escumalha, dia internacional dos mesquinhos. Melhor ainda, logo a seguir ao feriado de de Todos os Santos, ter o feriado de Todos os Merdas.
E porquê elogiar toda este podridão humana (ou animal, depende da liberdade poética)?
Simples, porque sem maus, não há bons. Apesar da constante bosta que se vê no dia-a-dia, há sempre casos que por mais pequenos, chegam para restaurar a sanidade despendida no dia-a-dia. Num quarto escuro a mínima luz é visível.
Recordo-me de quando estava num autocarro apinhado a caminho de casa. Estava em pé e reparei numa senhora mais idosa, daquelas com cara de avó muito protectora. Quando o autocarro parou na estação seguinte reparei que essa senhora estava sentada à espera do próximo. Não porque se irritou com as pessoas mas porque quis dar o lugar a outras pessoas. Olhei para ela e pela cara que fiz ela percebeu a minha dúvida, ''porque estava ela ali, à espera?''. Limitou-se a encolher os ombros e com um sorriso despediu-se. Isto passou-se em 2003. Ainda hoje me lembro. Basta ver uma coisa destas de vez em quando.
Portanto, obrigado. Obrigado aos merdas, aos mentirosos, aos traidores, aos que praticam a filha-da-putice todo o santo dia. A todos vós, o meu sincero agradecimento. Fazem-me saber o que não quero ser.
Do Blog Polaroid, por José Maria Barcia.